domingo, 16 de dezembro de 2012

G._10.º_n.º 3



Notícias

Notícias, jornais, última da hora… Importante, interessante, longínquo.
Todos os dias, todinhos… Não falta um único dia desde há muito tempo que não sei o que se passa nesta nação.
Logo pela manhã, o que vejo e ouço, se for o vizinho do lado ou talvez o de cima, é um ecrã que conta os últimos desastres económicos, discussões políticas e acidentes evitáveis.
A meio de todas as manhãs, o meu avô chega a casa com “O Sol” ou “A Bola”, certo como um relógio.
A mãe e a avó leem as boas novas das novelas e trilhos amorosos dos famosos que não são nem por metade mais humanos do que elas.
Mais uma vez, estou eu a tomar banho, os meus pais discutem. O meu pai distraiu-se com a televisão e a comida, no fogão, queimou-se.
Oito da manhã. Lá vêm elas. Desastres sem precedentes perante os nossos olhos, fantasmas verdadeiros que atormentam as vítimas…
Úteis, memoráveis, diárias, semanais, variadas, objetivas, inúmeras, é assim desde há séculos.
Mas não… Não conheço nada dessas coisas. Nunca pego num jornal, vejo televisão ou procuro na internet as notícias do dia. Nunca vejo outro mundo que não o meu. Nunca vejo aquilo em que vivo com os mesmos olhos. Tamanho é o desinteresse, degeneração, em algo que, mais que importante, se chama atualização. Não faz parte de mim mas que, ainda assim, um dia me chegará…

sábado, 15 de dezembro de 2012

G._10.º_n.º 3


Lugar onde estou

Não sei onde estou
Nem para onde vou
Mas ainda pertence a ti
O pouco ou nada que sou

Desenhei meu caminho
Mas esqueci-me de pintar
As ondas que me deixaram 
à deriva no mar

A espada em que pegaste
E que me trespassou
Desatou gritos na lua
Mas meu coração se calou

Entre os incêndios da vida
E o que de mim restou
O mar não me irá quebrar
Como a saudade não me matou



sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

G._10.º_n.º 2





Palavras

Todas as palavras são essenciais e, se repararmos bem, o dia é composto por palavras.

Muitas fazem-nos sentir bem; deixam entrar borboletas na barriga, revelam um sorriso escondido atrás das cortinas da solidão, do dia que correu mal e dos problemas que sucedem frequentemente.

Umas aparecem entre as folhas pálidas dos meus livros, aglomeradas em frases como as estrelas no céu, contando algo, outras passam pelas cordas vocais do meu amigo, fazem-me rir e apoiam-me quando eu preciso de desabafar… Mais algumas correm rápidas por entre os textos, fingindo  relâmpagos, tentando ultrapassar a velocidade da luz, projetando-se no ecrã do meu telemóvel, inesperadamente, podem iluminar um dia de chuva, transmitir a sensação de afeto e carinho quando aquela pessoa está longe… Dão boas notícias, pedem uma borracha emprestada à minha colega do lado, agradecem, despedem-se e pedem desculpas.
As palavras surgem na minha cabeça involuntariamente, entrelaçam-se descoordenadamente tentando organizar-se como os fios de lã no novelo da minha avó e dão origem aos pensamentos, que me perturbam constantemente por estarem a incomodar-me enquanto estudo… Compõem as músicas que tanto gosto de ouvir…

Mas outras põem-nos a chorar, não de alegria. São as palavras rudes, são verdades que vêm ao de cima, memórias tristes que baixam a nossa autoestima, destroem-nos pelo interior como as ondas que rebentam na arriba e provocam a erosão das rochas.

Esses são vocábulos perigosos. São das armas mais mortíferas que um ser humano pode usar contra outro.

As palavras. Como são poderosas.






sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

E._10.º_n.º 22


Ruas de Lisboa

Todas as quartas-feiras, depois das duas da tarde, já é minha rotina retirar-me para as infindas ruas de Lisboa. Apanho o metro, como me é habitual, e saio na estação Baixa-Chiado. Assim que ponho os pés fora das escadarias imundas da estação, deparo-me com a realidade da vida lisboeta. Confesso que é, de facto, algo que me encanta. Não consigo deixar de apreciar os artistas de rua, muitos deles filhos da calçada portuguesa, e tantos outros apadrinhados por ela, roubados ao seu ninho por tempos infortunados. Outros fazem-no por paixão, o que vai sendo cada vez mais raro, visto que o cinto se aperta para todos, e, como bons portugueses que somos, a cultura passa a ser posta de parte, afundada no esquecimento porque, no final de contas, música e quadros não pagam impostos, e a cultura é algo tão vão... Mas Lisboa não é só artistas de coração. Cada esquina que viramos evidencia a degradação do povo; aos poucos e poucos, a calçada tipicamente tuga é revestida a cartão e torna-se o lar de tantos lusos que não sobreviveram aos tempos de austeridade, ou que simplesmente se deixaram embalar pela melodia dissimulada do caminho que, para tantos, é o mais fácil. Pessoas que, outrora, foram crianças e tiveram (ou não) direito aos seus anos de inocência, e que, por azar ou fado, se deixaram encantar pelas vielas mais sombrias de Lisboa.


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

H._10.º_n.º 17




Eu

Eu? Eu sou uma espécie de anão gigante. Sou maior que uma abóbora, mas mais pequena do que uma árvore jovem. Sou como um iogurte doce, magro mas um pouco calórico.

Os meus cabelos fluem como um rio, mas um rio médio, como se da sua nascente e meio-termo se tratasse. A castanha é escura quando o verão foi quente e um pouco chuvoso, assim são os meus olhos e cabelos. Tenho, infelizmente, dentes que se parecem com montanhas irregulares, mas que facilmente se mostram ao mundo.

Sou lealmente distante, mas gosto de cuidar quem cuida de mim. Acredito na amizade, mas também acredito na real teimosia. Comparam-me com a meteorologia açoriana, imprevisível, inconstante e por muitas vezes irritante.

Adorava ser como um simples gatinho, que sempre que deseja carinho começa a miar e imediatamente os recebe, mas tudo o que é bom tem o seu lado preguiçoso, e é assim que os gatos de meia-idade são.

Chamam-me louca … talvez fora do normal, mas enfim não se enganam, sou uma mancha arco-íris neste mundo cinzento e preto.

Gosto de me comparar com um “ chefe” da mafia japonesa, por fora arrogante mas que no fundo só quer proteger o seu “reino”.

Desde que me lembro que sonho em ser o meu marido e esposa, sou simplesmente tão viciada em mim como o ser humano o é  em oxigénio.

Não sou quem eu quero ser, sou apenas o que realmente sinto ser.


 


G._10.º_n.º 2








G._10.º_n.º 3






O Meu Retrato


O capuz é um elemento de mim, pois camisola sem capuz é como casa sem refúgio.
Por debaixo da penugem castanha do cabelo escuro, encontra-se um rosto arredondado. A pele é da cor daquelas nozes pálidas que abrimos no Inverno. A testa está coberta de fragmentos de acne, do nervosismo que tenho do jogo quando perco, do stress nas semanas de teste, talvez apenas da mania de coçar as borbulhas até o sangue vir ao de cima. Por baixo das sobrancelhas reinam os olhos esverdeados, o único orgulho do meu rosto. Também os lábios grossos e secos fazem parte da face, com um queixo banhado em arranhões e coçadelas.
Sempre que possível cubro o pescoço com golas altas ou algo do género. Uso sempre camisolas e casacos nunca muito fora do comum, mas confortáveis. No tronco nota-se o não esforço para manter a linha, tendo uma figura pouco esbelta mas nada de mais. Os braços são do tamanho adequado e para combinar com as mãos que estão sempre quentes, entro em sintoma de adoração por mangas compridas. Maiores do que o próprio braço. As pernas não são muito robustas, sempre cobertas por calças de ganga ou outros tecidos. Elas estendem-se aos pés com dedos minúsculos como nenhum adolescente de 15 anos tem por aqui. Para os pés servem uns ténis ou até mesmo apenas um par de meias ou chinelos se me encontrar em casa. Conforto acima de tudo!
Psicologicamente, a minha personalidade vai com o vento. Por um lado, uma pessoa reservada. Uma espécie de bicho-do-mato que foge do próprio mundo e que, por vezes, tenta até fugir do próprio corpo. Talvez um pequeno monstrinho debaixo da cama que não sai com medo de magoar alguém (ou a si próprio…). Mas também uma espécie de chave que em vez de ser colocada na fechadura, continua a bater à porta à espera que alguém abra. Mas esta situação é paralela. Quando com pessoas mais próximas, o botão floresce, faço tudo espontaneamente e sem medo. É como voar de uma falésia com asas de papel, já que o mar é feito de dentes-de-leão que realizam desejos. Pouco presa aos olhos da mente que a sociedade tem de mim, segurando na mão cartas de segredos com que jogo todos os dias, e curiosamente, ainda ninguém conhece o seu significado. Observo acima de olhar, ouço em vez de falar, quando sonho escrevo em vez de desenhar ou vice-versa… E recomeça tudo outra vez, até o retrato ser perfeito, como numa obra de arte.